Linhas de Trabalho na Umbanda e a identidade de um povo

A Umbanda, por sua ampla diversidade e particularidade, é cercada de explorações conceituais, muitas vezes interpretada pela única e exclusiva vivência particular dos indivíduos, o que neste caso pode ser um perigo, uma vez que a Umbanda vivenciada no interior de um terreiro é apenas o fragmento da Umbanda manifestada num espaço terreno, restrita ao grupo onde ela se manifesta e vivenciada com as particularidades deste grupo.

No entanto, penso que o Umbandista no geral precisa separar o terreiro e as convicções internas daquilo que é Umbanda, no macro, numa visão global, pois o terreiro é de Umbanda, mas a Umbanda não é apenas o terreiro.

Neste sentido, diversos temas precisam ser consultados à espiritualidade de Umbanda, trazer ao meio aquilo que é ensinado pelo astral, compartilhado com o senso crítico, necessário para não criarmos fundamentalismos, numa religião ampla, maleável e em constante expansão…

Independentemente das teorias diversas sobre um ou outro assunto, o que é ou deverá ser comum aos terreiros é a presença das linhas de trabalho, reservadas, é claro, as particularidades internas. Ou seja, independentemente de minhas convicções, o Caboclo dentro do terreiro que frequento é a mesma essência manifestada em qualquer terreiro, Caboclo é Caboclo em qualquer lugar e pouco importa se num terreiro o Caboclo usa penacho, noutro usa uma fita ou noutro não usa nada; a forma, a particularidade, não é superior ou mais importante que a essência Caboclo. Assim para todas as outras linhas.

Há terreiros que trabalham com a linha de marinheiros, há terreiros que não. Há terreiros que manifestam ciganos, há terreiros que não. O fato de uma determinada linha não se manifestar no terreiro que frequento não significa que esta não exista e/ou que eu não preciso entendê-la.

A Umbanda é uma religião brasileira, por essência e fato registrado. Sua organização comprova isso. A maneira com que ela congrega a diversa cultura planetária numa realidade brasileira contemporânea adaptada nos leva à constatação desta ideia.

No astral se organizaram gradativamente linhas de trabalho espiritual baseadas no arquétipo do Brasil, do povo brasileiro, são grupos de espíritos que trazem consigo uma história evolutiva e graus de evolução semelhantes que se congregam pelo ideal vibratório e evolutivo da Umbanda Astral.

Brilhantemente, os Mestres da Luz, tutores do Ritual de Umbanda, fazem manifestar a cada Gira de Umbanda qualidades, especificidades, habilidades e saberes de um povo multicultural. Posso dizer que a vivência no interior de um terreiro durante alguns meses conduz o indivíduo a “viajar” por todo este imenso país e sua cultura.

Abaixo segue uma síntese desta organização do astral, que identifica a religião de Umbanda como uma religião Brasileira.

Linhas de Trabalho na Umbanda e os Arquétipos Sociais

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Caboclo – apesar do nome, não retrata o “caboclo matuto”, mas espelha a identidade do indígena, morador primário desta pátria, cultuador da natureza que proporciona ao fiel umbandista uma profunda convergência à natureza, um olhar sensível ao que é natural e o desenvolvimento de uma consciência ecológica nativa, daquele que sabe que o ser humano é extensão e dependente da natureza, não o contrário. Proporciona ainda uma interação com o reino elemental e a cultura indígena.

Preto Velho –
arquétipo do ancião, “sobrevivente” do cativeiro, que superou a dura realidade da escravidão, desenvolvendo, portanto, a sabedoria pela vivência. Africanos catequizados, estes trazem à religião a crença e culto aos Orixás, divindades cultuadas na Nigéria; entretanto, a maneira como os Orixás são compreendidos e como os fiéis se relacionam com os mesmos é diferente do que ocorre na África ou mesmo nos cultos descendentes. Na Umbanda, por meio dos pretos velhos acontece o culto aos Orixás de maneira renovada e adaptada à realidade brasileira contemporânea. Sobretudo, os Pretos Velhos são o retrato de sabedoria, humildade e resignação.

Baianos –
uma “referência” ao início da descoberta do país, origem da colonização e de um povo que é a “cara do Brasil”. Entretanto, os Baianos surgem de maneira organizada como uma linha de trabalho efetiva a partir da década de 50 com a industrialização dos grandes centros, intensificam na década de 60 com a maior onda de migrações provenientes da grande seca que acometeu o nordeste brasileiro. A Linha de Baianos reflete o arquétipo do rural migrado e já adaptado à zona urbana, esta linha de trabalho vai servir de ponte para os migrantes através de sua semelhante identidade.

Boiadeiros –
arquétipo do “peão de boiadeiro”, do catingueiro, lampião. Espelha a qualidade do sertanejo e do agreste. Aparecem nos terreiros juntamente com os Baianos.

Marinheiros –
muitas vezes semelhantes aos Baianos, é o arquétipo do litorâneo, identidade daquele que sobrevive do mar e dos rios, como os ribeirinhos. Apresentam-se nesta Linha de Trabalho marinheiros de fato, pescadores, ribeirinhos, canoeiros. Conhecidos também como “Povo d’água” trabalham sob a vibração de Yemanjá.

Erês –
composto na sua maioria por encantados, são seres puros de outra dimensão e infantis. Naturalmente, é o arquétipo da criança para a criança, um meio do astral para interagir com os infantis encarnados no desenvolvimento de uma religiosidade de origem.

Ciganos –
confundidos com exus e pomba giras, trazem o arquétipo do nômade, daquele que transita por muitas culturas e é em si a síntese da mística planetária; surgem intensamente nos terreiros de Umbanda na década de 90 e frisam que não são da Umbanda, estão na Umbanda.

Malandros –
iconizados por Zé Pelintra, refletem o arquétipo da periferia e do “morro”, retratam a superação diante as dificuldades políticas e sociais. Estão ligados às causas sociais e da minoria, combatem as exclusões. Apesar de Zé Pelintra ser anterior à Umbanda, a Linha de Malandros aparece nos terreiros como uma linha de trabalho organizada na década de 2000 e ainda causa estranheza para muitos “tradicionalistas”.

Povo do Oriente –
no princípio o termo “povo do oriente” foi usado para designar todo aquele espírito que não se encaixava até então numa linha de trabalho já popularizada, uma exemplo é a linha dos ciganos, que por muito tempo foi considerado “povo do oriente”. Entretanto, a Linha de Trabalho do Oriente é composta pelo arquétipo e cultura Oriental e Asiática, encontramos nestas linhas monges, yogues, chineses, indianos, japoneses etc. Portanto, outra cultura e povo que contribui para o desenvolvimento desta cultura e país que é o Brasil.

Exu –
a linha dos guardiões, ou Exus na Umbanda sempre estiveram presentes na religião, por um período velado ou pouco público. Por muito tempo mal interpretado e sincretizado com o demônio católico. Nos dias atuais, exu tem sido mais compreendido e entendido como o Guardião do Templo, o Sentinela que é amigo e protetor, justo e ordenador, incorruptível e avesso a práticas que ferem o bom senso, caridade, amor e evolução. É o arquétipo militar, da polícia no astral, da guarda montada.

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Pomba Gira – por um tempo entendida como “Exu Mulher”, esta linha de trabalho aparece intensamente nos terreiros na década de 60 juntamente com a expansão do movimento feminista no Brasil. Esta força espiritual intensifica a identidade feminina, mal interpretada em sua aparição quando foram consideradas mulheres “prostitutas” ou coisas semelhantes. O fato é que Pomba Gira, além de ser a Guardiã do Templo e da esquerda dos médiuns junto com Exu, trazem o arquétipo da mulher independente, “dona de si”, bem resolvida e autônoma. Características estas que vão confrontar com o machismo imperante na cultura brasileira principalmente na década de 60, ao mesmo tempo em que vão trazer um novo fôlego e autoestima às mulheres da Umbanda.

Exu Mirim –
como os Erês (crianças), são encantados e infantis da dimensão natural Exu. Estão assentados à esquerda dos médiuns e do ritual de Umbanda como guardiões da vibração do Orixá Exu. Não são delinquentes, meninos de rua ou “cheiradores de cola”, como equivocadamente foram interpretados nas suas primeiras aparições.

Dani Machado

Umbandista, espiritualista e simpatizante da Ufologia. Médium atuante e Dirigente da CAE Vovó Catarina e Caboclo Ventania - Terreiro de Umbanda situado em Jacareí - SP