Contar a história da UMBANDA é quase contar a história do Brasil, pois, assim como o povo brasileiro, ela integra em suas “veias” as VÁRIAS ETNIAS, as mesmas que construíram nossa cultura. A Umbanda nasceu nas primeiras miscigenações ainda em solo africano.
No final do século XV os portugueses “descobriram” o antigo REINO DO CONGO e iniciaram a catequização dos “PRIMITIVOS”. A conversão da elite congolesa ao Catolicismo deu ao COLONIZADOR a falsa impressão de que o povo se submetia facilmente, mas a massa nunca se curvou à nova religião.
Essa região da África já tinha em sua cultura ELEMENTOS SINCRÉTICOS que foram assimilados através dos tempos de contato com outras culturas, prova disto é que esse povo já tinha em seu arsenal cultural, a CRENÇA NA REENCARNAÇÃO e o culto ao símbolo da cruz, antes mesmo da chegada dos europeus. O povo bantu tem uma característica bastante interessante, a facilidade para ASSIMILAR E INTEGRAR AS MAIS VARIADAS CRENÇAS E COSTUMES AO SEU UNIVERSO CULTURAL. Esta foi o GRANDE LEGADO do povo bantu ao brasileiro. Durante os primeiros TREZENTOS ANOS DE ESCRAVIDÃO AFRICANA NO BRASIL, a maior fonte de mão-de-obra era o antigo Reino do Congo, pois a falsa impressão de submissão continuou em solo brasileiro que fez os portugueses preferirem mão-de-obra angolana para desbravar o novo território.
A FACILIDADE EM INTEGRAR NOVOS ELEMENTOS AO SEU CULTO E O ANTIGO CULTO AO SIMBOLISMO DA CRUZ, ENCOBRIU EFICIENTEMENTE O VERDADEIRO CULTO AOS ANTEPASSADOS DOS AFRICANOS DE ETNIA BANTU.
A NOVA RELIGIÃO BRASILEIRA COMEÇA A TOMAR SUAS PRIMEIRAS FORMAS NESSA ESTRATÉGIA DE SOBREVIVÊNCIA DOS PRIMEIROS ESCRAVOS AFRICANOS.
ENTRE OS PRIMEIROS ESCRAVOS NÃO VIERAM SACERDOTES E NOBRES, POR ISSO O QUE SE INICIA É UM CONJUNTO DE RITUAIS POPULARES EXTREMAMENTE MESCLADOS COM OS RITOS CATÓLICOS E SEM QUALQUER PADRONIZAÇÃO.
A RELIGIÃO, ATRAVÉS DE SEUS SACERDOTES, TEM AS FUNÇÕES PRIMÁRIAS DE MANTER A UNIDADE CULTURAL DA SOCIEDADE.
ELA É A RESPONSÁVEL PELA TRANSMISSÃO DAS TRADIÇÕES E DAS CRENÇAS QUE SE DESENVOLVEM EM CONJUNTO COM A SOCIEDADE.
COM A CHEGADA DOS AFRICANOS DE ORIGEM IORUBA É QUE TEMOS UMA UNIDADE CULTURAL SE ESTRUTURANDO, POIS ENTRE ESSES ESCRAVOS VIERAM NOBRES E SACERDOTES QUE DOMINARAM TODAS AS OUTRAS ETNIAS AFRICANAS EXISTENTES NO BRASIL.
POR ISSO QUE HOJE CULTUAMOS ORIXÁS, DIVINDADES IORUBA, E NÃO INQUICES QUE SÃO AS DIVINDADES ORIGINAIS DA REGIÃO DO CONGO.
O ESCRAVO COMEÇA A PERCEBER O TEMOR DO BRANCO EM RELAÇÃO AO SOBRENATURAL E ISTO SE TORNA UMA GRANDE ARMA CONTRA A SOCIEDADE DOMINANTE QUE ESCRAVIZAVA CORPO DO NEGRO, MAS TEME TER SUA ALMA ESCRAVIZADA.
TORNA-SE VISÍVEL DEVIDO A INFLUÊNCIA DE UMA ETNIA AFRICANA EM ESPECIAL, OS MALÊS, AFRICANOS ISLAMIZADOS QUE INTEGRAVAM AOS RITUAIS MUÇULMANOS.
SUAS MAGIAS POPULARES OS TORNAVAM MUITO TEMIDOS, POIS ERAM “NEGROS CULTOS”, CONTRARIANDO A VISÃO EUROPÉIA DE QUE OS NEGROS ERAM PRIMITIVOS E IGNORANTES.
Nos QUILOMBOS muitos índios se juntaram aos AFRICANOS para se protegerem da dominação do “homem branco”. Novamente mais um elemento se une a esta cultura em formação, pois a RELIGIOSIDADE AFRICANA é manifestada no CULTO À NATUREZA, o que não difere muito da RELIGIOSIDADE INDÍGENA. Além disso, o ÍNDIO conhece o território, bem como sua flora e fauna, sendo grande conhecedor da medicina natural. Tudo favoreceu mais um SINCRETISMO, porque o AFRICANO PRECISAVA CULTUAR A NATUREZA LOCAL COM ELEMENTOS LOCAIS que foram integrados através do índio. Agora SURGE UM CULTO À NATUREZA BRASILEIRA com rituais africanos.
Já temos, então, as TRÊS RAÍZES ÉTNICAS do nosso povo integradas:
- O ÍNDIO – VERMELHO
- O EUROPEU – BRANCO
- O AFRICANO – NEGRO
Também temos TRÊS ASPECTOS HUMANOS bem característicos:
- O HOMEM NATURAL – LIBERDADE.
- O HOMEM URBANIZADO – AMBIÇÃO.
- O HOMEM ESCRAVIZADO – SUBMISSÃO.
E as TRÊS FORMAS DE CRIAR O UNIVERSO RELIGIOSO:
- A INTEGRAÇÃO COM A NATUREZA: XAMANISMO, PAJELANÇA.
- O DOGMA RELIGIOSO SISTEMATIZADO, HIERARQUIZADO CATOLICISMO.
- OS RITUAIS DE CULTO AOS ANTEPASSADOS: ORISÁS, N`KISES, VODUNS, EGUNS.
Esse NOVO CONJUNTO CULTURAL se desenvolveu PROTEGIDO PELA MÁSCARA DO CATOLICISMO POPULAR durante o tempo colonial e imperial, desenvolvendo, assim, CRENÇAS E RITUAIS característicos e regionalizados, pois na GRANDE EXTENSÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO cada grupo teve maior influência de uma cultura em detrimento de outros, mas mantendo um traço comum, o SINCRETISMO. No FINAL DO IMPÉRIO, os ESCRAVOS são pouco a pouco, libertados. Comprando sua liberdade, na guerra, com favores sexuais ou mesmo com dinheiro tirado dos próprios senhores, passam a formar grupos religiosos baseados em suas antigas crenças. Mas sair da SENZALA não deu a esses brasileiros a LIBERDADE DE CULTO e ainda tiveram de manter o SINCRETISMO PROTETOR.
Com a REPÚBLICA, surge um pensamento mais cientificista na sociedade brasileira que a torna propícia a aceitar um novo movimento, o KARDECISMO. Agora o brasileiro – que já não é mais branco, índio ou negro, e sim miscigenado racial e culturalmente – encontra uma BASE FILOSÓFICA PARA APOIAR SUAS CRENÇAS.
Mas este movimento ainda é europeu, em conseqüência, branco. No dia 15 de novembro de 1908, em Neves, Estado do Rio de Janeiro, o jovem Zélio Fernadino de Moraes, 17 anos, manifesta em uma Sessão Espírita o CABOCLO DAS SETE ENCRUZILHADAS. Nessas Sessões não eram permitidas as manifestações de espíritos de índios ou negros, pois eram “espíritos atrasados” – que, quando perguntado pelo seu nome, faz a seguinte declaração: “Devo dizer que amanhã estarei em casa deste aparelho para dar início a um culto em que esses pretos e esses índios poderão dar a sua mensagem e assim cumprir a missão que o plano espiritual lhes confiou.
Será uma religião que falará aos humildes, simbolizando a igualdade que deve existir entre todos os irmãos, encarnados e desencarnados. E se querem saber o nome, que seja este: Caboclo das Sete Encruzilhadas. Porque não haverá caminhos fechados para mim”. No dia marcado o CABOCLO se manifestou e deu as diretrizes para a nova religião, bem como o seu nome: UMBANDA! Diante deste facto histórico registrado como FUNDAÇÃO DA UMBANDA, observamos que a Umbanda é um culto onde se manifestam mediunicamente ESPÍRITOS QUE JÁ TIVERAM VIDA TERRENA e estão intimamente ligados a nossa história, índios e negros, para trabalhar no aperfeiçoamento dos encarnados. É de extrema importância lembrar que o povo bantu já utilizava em seus rituais, na África, COMUNICAÇÕES MEDIÚNICAS COM ESPÍRITOS DESENCARNADOS. E que, logo após a ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO, as ENTIDADES chamadas PRETOS-VELHOS e CABOCLOS já começam a se manifestar nos RITUAIS POPULARES chamados, pelos brancos, de MACUMBAS. O CULTO AOS MORTOS domina a vida religiosa bantu.
Eles acreditam que os ESPÍRITOS DE SEUS ANCESTRAIS dominam os vivos e influem em todos os setores da vida. Neste sentido, para o africano, o ANCESTRAL é importante porque deixa uma HERANÇA ESPIRITUAL SOBRE A TERRA, pois tendo contribuído para a EVOLUÇÃO DA COMUNIDADE ao longo da sua existência, continua a fazê-lo após a morte e por isto é venerado. Direta ou indiretamente, a ANCESTRALIDADE e a POSSESSÃO nos remetem a UMBANDA, uma vez que os TRANSES, identificam-se com os ESTADOS ANIMISTAS tradicionais dos bantus angolanos e que as PRIMEIRAS ENTIDADES DE UMBANDA representam, claramente, os ANTEPASSADOS BANTUS, como indicam a maioria de seus nomes: Vovó Cambinda, Pai Joaquim de Angola, Vovó Maria Conga etc.
E como indica a sua morada mítica, ARUANDA e que nada mais é que os continentes africanos, simbolizados na cidade de Luanda, capital da hoje República Popular de Angola. Quanto à palavra UMBANDA é uma denominação de origem bantu cuja significação diz respeito à feitiçaria, arte de CURAR e de ADIVINHAR. Dizem, alguns autores, que existiam, na região do Congo, reuniões chamadas M’BANDA onde se manifestavam ESPÍRITOS DE ANTEPASSADOS para fins de cura, portanto temos de admitir que mesmo antes de 15 de novembro de 1908, já existia no Brasil o RITUAL DE UMBANDA, que sem dúvidas nasceu no seio angolano. A Umbanda, NASCIDA NA INTEGRAÇÃO DAS CULTURAS formadoras do povo brasileiro não poderia deixar de ARREGIMENTAR EM SUAS FILEIRAS TODOS OS ESPÍRITOS QUE FAZEM PARTE DE NOSSA HISTÓRIA. É por isso que no início de seus rituais, ainda chamados de MACUMBAS, também surgiram os ESPÍRITOS DOS CABOCLOS, representando os antepassados indígenas, verdadeiros donos da nova terra, que enriqueceram os rituais, como faziam os antigos pajés, com seus passes, encantos e remédios naturais.
Hoje a Umbanda tem OUTROS ESPÍRITOS TRABALHANDO EM SEUS RITUAIS, mas observa-se que todos, sem exceção, representam ANTEPASSADOS formadores de nossa cultura. Assim temos os BOIADEIROS que representam o tempo dos desbravamentos de regiões desconhecidas de nosso território; os BAIANOS que representam os primeiros brasileiros que cultivam a terra onde nasceram; os MARINHEIROS que representam o tempo das navegações que nos traziam culturas e povos estrangeiros, normalmente fugidos de seus países de origem; também não podemos esquecer dos CIGANOS, ou povo do oriente, que representam a magia e a sabedoria dos que vêm do outro lado do mundo para o novo mundo. Também herdamos do povo africano a imagem daquele que contraria todas as regras vigentes para nos ensinar a conviver e aprender com os opostos. Esta ENTIDADE que recebeu o nome de seu ORIXÁ ORIGINAL é representada pelo MALANDRO que vive a margem da sociedade rindo-se da prisão em que vivem os que se submetem a regras. Em algumas coisas, trabalhando na mesma LINHA do ZÉ PILINTRA.
Em São Paulo, e em outros Estados, ele trabalha nas duas BANDAS. Ou vem na Linha de Baiano ou na Linha de Exu. Não é tão comum ser visto pelos lados de São Paulo, mas na cidade do Rio de Janeiro, são feitas grandes festas em sua homenagem.
Os EXUS de Umbanda também são ANTEPASSADOS, já que muitos dos primeiros estrangeiros que vieram ao Brasil eram fugitivos e mesmo os que para cá vieram a contra-gosto (escravos), eram colocados à margem da sociedade assim que obtinham a liberdade. Em alguns terreiros, as Entidades da Esquerda (como são chamados os Exus), recebem festas riquíssimas tendo mais de três mil convidados. E fazem na maior liberdade, oferendas no meio da rua onde as pessoas participam, mesmo não sendo freqüentadoras da casa em questão. Vê-se muito esse tipo de festas nos terreiros populosos de São Paulo.Ninguém se inibe em participar e vestem as roupas nas cores determinadas pela casa, se foram convidados.
Por último, justamente pela importância que deve ser fixada e jamais esquecida, temos os ESPÍRITOS CRIANÇAS que são ANTEPASSADOS muito próximos, pois todos nós fomos crianças há pouco tempo e ainda temos muito que aprender, crescer e desenvolver, sendo este o maior motivo da origem da Umbanda – o desenvolvimento humano. Espíritos que não foram necessariamente de CRIANÇAS um dia, mas tinham ESPÍRITO CRIANÇA.
A missão de todo umbandista é desejar a Paz no Mundo, a resolução dos conflitos que causam tensões, sejam elas AS GUERRAS ENTRE OS POVOS OU A BATALHA QUOTIDIANA QUE CADA UM ENFRENTA PARA CONQUISTAR, em primeiro plano, a sobrevivência e, quando muito afortunados, uma boa qualidade de vida. Apesar da vontade global de conquista de uma estrutura social diferente, a impressão é a de que tendemos à manutenção das desigualdades ou até ao agravamento das mesmas.