O Cocar

O cocar era o símbolo de um chefe: um guerreiro que era seguido por todos, por causa de sua sabedoria, e a quem o povo recorria em busca de conselhos. Era alguém que já havia integrado a sua Magia Pessoal. Ele havia conquistado o direito de usar o Cocar de Guerra porque sabia realizar avanços: ele próprio avançava através de seus atos de bravura, fazia avançar seu Clã através da Contagem de Golpes e fazia avançar a suaTribo ou Nação provendo às necessidades de todos os seus membros. Os Chefes de Cocar da América Nativa recebiam as Penas de Golpe para os seus cocares quando atendiam às necessidades do seu Povo.


Para obter as penas do Cocar não se costuma matar as Águias.Os jovens Bravos sabem preparar suas armadilhas usando coelhos vivos. Amarrava-se o Coelho num ninho, que era depositado sobre uma fenda na rocha. Debaixo desta fenda um ou dois jovens Bravos ficavam esperando em silêncio. Quando a Águia pousava, atrás do seu jantar, os Bravos precisavam ser muito ágeis para arrancar-lhe uma pena da cauda ou da asa. Se eles não agissem rapidamente, a Águia poderia ferir suas mãos com o bico ou com as suas garras afiadas. Capturar uma Pena de Águia constituía um dos testes de coragem no caminho para se tornar um Guerreiro e era considerado uma forma de ascensão social dentro da Tribo.


As asas, caudas ou crânios da águia eram tidos como presentes da Nação das Águias. Quando as Águias estavam prontas para “ largar seus mantos” (morrer), apareciam a um Guerreiro ou a um Xamã, em sonho ou numa visão para que os Duas-Pernas pudessem saber em que local deixariam os seus corpos. Desta maneira, um Xamã ou um Chefe poderia obter mais penas de reserva, para repassá-las a todos aqueles que conquistassem o direito de usá-las.


A asa da Águia é dividida em diversas categorias de penas. A ponta afiada da asa é considerada a Pena do Destino. Um Xamã poderia prever o futuro de um Guerreiro pela leitura das marcas na Pena do Destino. A Pena do Destino poderia prever se a vida deste Guerreiro seria repleta de alegria ou de tristezas, se a sua caminhada sobre a Terra seria longa, ou se ele já estava prestes a se reunir com seus Ancestrais, largando o seu Manto. Se a Pena do Destino estivesse quebrada, o Guerreiro morreria subitamente, ainda jovem. Quando a Pena do Destino tinha alguma marca, como acontecia com a Pena da Águia Pintada, os rostos ou as formas que apareciam contavam a história do futuro daquela pessoa ou dos Totens que eram seus guias.


As penas menores, situadas nas bordas laterais das asas, eram denominadas Penas de Sonhos e Esperanças. Estas penas assinalavam o caminho do destino que o seu dono deseja. Muitas vezes um modelo ou um conjunto de eventos poderia ser previsto através da forma pela qual as penas se distribuíam pela pele da Águia. Um Vidente bem treinado conseguia fazer previsões para o dono daquela asa, predizendo com segurança os futuros acontecimentos e os desafios que a vida lhe traria. Os objetivos pessoais do dono da asa também ficavam assinalados nas marcas das penas. Quando estes objetivos estavam relacionados com o avanço da Tribo ou da Nação como um Todo, os projetos do dono da asa recebiam as bênçãos dos Avôs e Avós em espírito. A asa de Águia da pessoa egoísta podia assinalar muitos desafios e muitas provações. Essa situação, quando encarada com humildade, servia para moldar o caráter do portador da asa, mudando-o para melhor.

Leia Também -   Umbanda - História e Sincretismo


As quatro penas do dorso da ponta da asa são Penas de Cura e são sempre cedidas aos Xamãs da Tribo. Essas penas de cura eram usadas para limpar o Espaço Sagrado ao redor do corpo de uma pessoa doente. A pena da Águia é usada para recolher a energia negativa através de passes rápidos e enérgicos sobre o corpo da pessoa doente; desta maneira, o espírito da Águia seria sentido pelo paciente. A Águia representa iluminação espiritual, e caso a doença fosse de fundo psicológico, o paciente poderia se sentir muito melhor pelo simples toque das penas. Um Xamã bem treinado consegue ver a energia que precisa ser removida, e pode utilizar a Pena Pontuda de Cura para afastar a energia negativa do corpo de uma pessoa enferma.


As penas de ponta arredondada no lado de baixo da asa, perto do corpo da Águia, são consideradas Penas de Guerreiro, assim como as da cauda. Essas Penas de guerreiro eram acrescentadas ao Cocar. As Penas de Guerreiro  são usadas até hoje, de forma consagrada, e são repassadas de geração a geração, entre as famílias dos Chefes de cada Tribo. Os Xamãs sempre preparam as futuras gerações que ficarão em seu lugar; assim, muitas Penas de Guerreiros e Penas de Cura são repassadas àqueles que honram os ensinamentos e que assumem a responsabilidade pelos papéis que deverão ter no grupo. Essas penas simbolizam, em parte, a confiança depositada na futura geração que representará o avanço da Tribo ou da Nação. A transmissão desse tipo de Magia constitui um lembrete de que a Tradição e os Ensinamentos devem ser preservados para que o nosso modo de vida fique mais resguardado e protegido.


As plumas são encontradas no peito da Águia. Costuma-se amarrar uma pluma no cacho de escalpo daqueles que retornam da Busca da Visão, ou que completam um Rito de Passagem. Essas plumas especiais também são utilizadas nos berços dos bebês como elementos de ornamentação e de proteção. Elas representam a Magia da Águia que pode ser carregada numa Sacola de Talismãs. Como as Plumas são muito menores do que uma pena comum elas cabem muito melhor na Sacola que é levada para a Dança do Sol ou para a Busca da Visão. As plumas são colocadas na Sacola de Talismãs para invocar a orientação da Magia da Águia durante estes rituais.

Leia Também -   Obaluaê


Uma Pena de Guerreiro podia apresentar uma marca de Golpe, significando que ele havia se apossado da Pena de outro Bravo durante uma batalha. A marca era feita para assinalar a mudança de dono e para que o espírito da pena começasse a prestar obediência ao guerreiro que Contou o Golpe em outro Bravo. O novo dono corta cinco a seis fileiras de pêlos, a partir do cálamo, sendo que algumas penas possuem diversos cortes, denotando quantas vezes a pena mudou de mãos.


Quando o cálamo de alguma pena estiver quebrado, isso significa que o espírito dessa pena foi liberado e está no Acampamento sem Fogueiras, também chamado de Acampamento do Outro Lado. O mundo do espírito na Estrada Azul é o lugar onde vivem todos os espíritos. Os espíritos fazem parte do Clã do Chefe do Ar e costumam cavalgar o Vento. Quando algum espírito deseja mandar uma mensagem aos que estão na Boa Estrada Vermelha da vida física, ele vem pelo Vento, assumindo a forma de uma Pessoa Nuvem, para que os Duas-Pernas possam ler os Sinais de Fumaça que lhe são enviados. Os Guerreiros aprenderam a ler estes sinais, para que a sua magia se tornasse mais fortes e eles pudessem alcançar a vitória. O Clã dos Guerreiros sempre se orientava através dos sinais que os seus guias enviavam, conhecendo o momento certo de esperar ou de avançar.


Todo Chefe que tivesse adquirido a quantidade de penas suficiente para fazer um Cocar havia demonstrado possuir determinadas qualidades que o transformavam num modelo para o Povo, tanto para os homens quanto para as mulheres. Os Chefes de Cocar constituíam a força do Povo. Eles sabiam escutar o coração de seus protegidos e nunca se dirigiam a eles de modo agressivo. Cada pena de Águia representava o aprendizado de uma lição de paciência, bravura, etiqueta Tribal, caça, Magia, liderança, Cerimônia, Contagem de Golpes e o papel de Pai Protetor. Esses Chefes venciam desafios que exigiam iluminação espiritual, além da coragem e da rapidez de ação, indispensáveis a uma liderança adequada. O Chefe de Cocar era um grande líder nos tempos de batalha, mas ele também exemplificava  as lições espirituais representadas por cada uma das penas de seu Cocar. A mensagem era clara e transparente: todo Chefe de Cocar possuía dons e habilidades muito poderosas! Todo Chefe utilizava os dons que o Grande Mistério lhe havia concedido para assegurar o avanço do seu Povo, e era agindo assim que se tornava merecedor de sua posição.

Dani Machado

Umbandista, espiritualista e simpatizante da Ufologia. Médium atuante e Dirigente da CAE Vovó Catarina e Caboclo Ventania - Terreiro de Umbanda situado em Jacareí - SP